2 de dezembro de 2024

CIORAN, Emil. Nos cumes do desespero. Tradução de Fernando Klabin. São Paulo: Hedra, 2011. p. 18.

As mais profundas experiências subjetivas são também as mais universais, pois por meio delas chega-se à profundeza primordial da vida. A verdadeira interiorização conduz a uma universalidade inacessível aos que permanecem na zona periférica. A interpretação vulgar da universalidade vê nela mais uma forma de complexidade em extensão do que uma abrangência qualitativa, rica. Por isso, ela vê o lirismo como um fenômeno periférico e inferior, produto de uma inconsistência espiritual, ao invés de perceber que os recursos líricos da subjetividade apontam para um frescor e uma profundidade íntima dos mais notáveis.

CIORAN, Emil. Nos cumes do desespero. Tradução de Fernando Klabin. São Paulo: Hedra, 2011. p. 17.

Há estados e obsessões com que não se pode conviver. Nossa salvação não seria, portanto, confessá-los? Mantidas na consciência, a terrível experiência e a tenebrosa obsessão da morte tornam-se devastadoras. Ao falarmos da morte, salvamos algo de nós mesmos, ao mesmo tempo que no nosso ser algo se extingue, pois os conteúdos objetivados pela consciência perdem sua atualidade. O lirismo representa uma força de dispersão da subjetividade por indicar, no indivíduo, uma efervescência incoercível da vida, que sem cessar exige expressão. Ser lírico significa não podermos permanecer fechados em nós mesmos. Quanto mais interior, profundo e concentrado for o lirismo, mais intensa será essa necessidade de exteriorização.

28 de novembro de 2024

ONFRAY, Michel. A política do rebelde: tratado de resistência e insubmissão. [trad. Mauro Pinheiro]. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p. 117.

No espírito de Nietzsche, era preciso uma Grande Política, livre das contingências estreitas e mesquinhas daquilo que se convencionou chamar hoje de política politiqueira. Afastada dos cálculos cotidianos, da aritmética em virtude da qual se ascende ao poder e depois lá se mantém, a grande política quer os meios de uma ação e visa à encarnação. O poder, certamente, mas para fazer o quê, senão exprimir, realizar, encarnar uma política, quer dizer, um projeto, ideias, um querer, uma energia. A força se distingue da violência, pois a primeira sabe aonde vai, e a segunda se submete aos impulsos selvagens que a habitam. O capitalismo é uma violência, a política uma força. E a segunda serve como único remédio para a primeira.

ONFRAY, Michel. A política do rebelde: tratado de resistência e insubmissão. [trad. Mauro Pinheiro]. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p. 117.

O reencantamento do mundo só poderá ocorrer visando ao fim de um economismo celebrado sob a forma de religião, entendido como único laço social possível hoje. A submissão da economia à lei da política é uma necessidade vital. Enquanto perdurar o inverso, a lei do mercado triunfará, sozinha, sem contrapartida e, projetados no sentido do abismo, nós conheceremos corridas desenfreadas em direção a mais mortes, sofrimento e dor.

20 de novembro de 2024

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 81.

No pavor, somos vítimas de uma agressão do futuro.

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 93.

Quanto mais convivemos com os homens, mais nossos pensamentos se obscurecem; e quando, para aclará-los, voltamos à nossa solidão, encontramos nela a sombra que eles projetaram.

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 87.

Cada dia é um Rubicão no qual aspiro a afogar-me.

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 89.

Nos empenhamos em abolir a realidade por medo de sofrer. Coroados nossos esforços, é a própria abolição que se revela fonte de sofrimentos.

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 80.

O ceticismo derrama demasiado tarde suas bençãos sobre nós, sobre nossos rostos deteriorados pelas convicções, nossos rostos de hienas com um ideal.

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 81.

Quando a ralé adota um mito, conte com um massacre ou, pior ainda, com uma nova religião.

19 de novembro de 2024

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 65.

Toda crença nos torna insolentes; recém-adquirida, aviva nossos maus instintos; os que não a partilham consideramos fracassados e incapazes, merecedores apenas de nossa piedade e desprezo.

Observe o neófito em política e sobretudo em religião, todos aqueles que conseguiram misturar Deus a suas tramoias, os convertidos, os novos-ricos do Absoluto. Compare sua impertinência com a modéstia e as boas maneiras dos que estão perdendo a fé e as convicções...

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. pp. 64-5.

De tudo o que os teólogos conceberam, as únicas páginas legíveis, as únicas palavras verdadeiras, são as dedicadas ao Diabo. Como seu tom muda, como sua eloquência se inflama quando dão as costas à Luz para se consagrar às Trevas! Dir-se-ia que voltam a seu elemento, que o descobrem de novo. Finalmente podem odiar, finalmente lhes é permitido; acabou-se o ronrom sublime ou a salmodia edificante. O ódio pode ser vil; extirpá-lo, no entanto, é mais perigoso que abusar dele. A Igreja, sabiamente, poupou aos seus tais riscos; para que possam satisfazer seus instintos, ela os excita contra o Demônio; eles se agarram a ele e o roem: felizmente é um osso inesgotável... Se lhes fosse tirado, sucumbiriam ao vício ou à apatia.

31 de outubro de 2024

CIORAN, Emil. The trouble with being born. [trad: Richard Howard]. [sc]: Penguin, 2020. p. 5. e-book.

I am for the most part so convinced that everything is lacking in basis, consequence, justification, that if someone dared to contradict me, even the man I most admire, he would seem to me a charlatan or a fool.

HERRON, Mick. The secret hours. London: Baskerville, 2023. pp. 303-4. e-book.

It becomes quiet when she stops talking. The rain still falls, so the windows are noisy; there is traffic at the far end of the road, but these sounds simply nibble at the edges: the witness’s story is the only thing happening. So when she stops talking, the quiet takes over, and settles on all three like ash from a distant bonfire.

21 de outubro de 2024

RICE, Anne. The tale of the body thief. New York: Ballantine books. 1992. p. 309. e-book.

– [vampiro Lestat]: (...) You're on the wrong side of the dark glass. Only the dead know how terrible it is to be alive.

5 de outubro de 2024

ONFRAY, Michel. A política do rebelde: tratado de resistência e insubmissão. [trad. Mauro Pinheiro]. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p. 79.

A religião do trabalho fez do desempregado um mártir. O fervor que ela exige e os sacrifícios que espera transformaram os solicitantes de emprego em pecadores e em penitentes que podem obter o perdão e a salvação à medida que merecerem e receberem uma redenção à custa da impassibilidade e da submissão às necessidades das leis, se não da fatalidade, pelo menos de um mercado que faz reinar seu terror por meio da penúria organizada do trabalho no lugar da partilha.

ONFRAY, Michel. A política do rebelde: tratado de resistência e insubmissão. [trad. Mauro Pinheiro]. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. pp. 72-3.

O diploma atesta e certifica a utilização correta da razão, quer dizer, sua execução segundo os costumes sociais confirmados, mas certamente não em virtude da pura inteligência ou da inventividade radical.

ONFRAY, Michel. A política do rebelde: tratado de resistência e insubmissão. [trad. Mauro Pinheiro]. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p. 72.

Os velhos e as velhas, aos quais são negados todos os direitos salvo o de ser ainda consumidor e gastar de sua aposentadoria no jogo social consumista, sofrem progressivamente a privação de toda arrogância permitida aos jovens: sem sensualidade, nem sexualidade triunfante, uma vida privada que se quer modesta e discreta. Empurrados docilmente em direção à saída, os afagamos, conservamos e veneramos, desde que reciclem suas economias dentro da máquina social.

19 de setembro de 2024

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. [trad. José Thomaz Brum]. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 53.

Se a História tivesse uma finalidade, como seria lamentável o destino daqueles que, como nós, nada fizeram na vida. Mas no meio do absurdo geral, nos erguemos triunfantes, nulidades ineficazes, canalhas orgulhosos de haver tido razão.

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. [trad. José Thomaz Brum]. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 47.

Só vivo porque posso morrer quando quiser: sem a ideia do suicídio já teria me matado há muito tempo.

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. [trad. José Thomaz Brum]. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 31.

Com tuas veias carregadas de noites, te encontras entre os homens como um epitáfio no meio de um circo.

16 de setembro de 2024

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. [trad. José Thomaz Brum]. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 13.

Esgotados os modos de expressão, a arte se orienta para o sem-sentido, para um universo privado e incomunicável. Todo estremecimento inteligível, tanto em pintura como em música ou em poesia, nos parece, com razão, antiquado ou vulgar. O público desaparecerá em breve; a arte o seguirá de perto.

Uma civilização que começou com as catedrais tinha que acabar no hermetismo da esquizofrenia.

14 de setembro de 2024

ONFRAY, Michel. A política do rebelde: tratado de resistência e insubmissão. [trad. Mauro Pinheiro]. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p. 56.

O objetivo permanece indefectivelmente nietzschiano: "Incomodar a estupidez." Sem isso, esta triunfará sozinha e a tal ponto que os autoritarismos do passado parecerão ternos e pálidos ao lado desses que terão conseguido subjugar os cor-pos, certamente, mas também e sobretudo as almas. O fascismo a vir, senão já presente, não se contenta mais em submeter os corpos, ele dispõe de meios para conseguir a sujeição das almas, a partir de hoje, antes de qualquer hipotética tomada de poder no modelo golpista.

11 de setembro de 2024

ONFRAY, Michel. A política do rebelde: tratado de resistência e insubmissão. [trad. Mauro Pinheiro]. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p. 44.

Uma fenomenologia dos comportamentos nazistas no campo de concentração permitiu a Robert Antelme concluir que não havia diferença de natureza essencial entre o que se passava dentro dos limites de Buchenwald e o que é visível no mundo do trabalho habitual. De uma certa maneira, Jean Améry ilustra esse tema mostrando o quanto o intelectual estava mais despojado dentro do campo do que o trabalhador manual, já habituado, na sua existência quotidiana, a esses regimes de submissão e de exploração, a esse servilismo que transforma os homens em animais de carga, utiliza-os como gado, mercadorias, máquinas. Antelme via dentro do campo de concentração uma pura e simples ampliação, senão uma caricatura extrema, são suas estas expressões, do que se passa dentro do mundo verdadeiro ao qual todos aspiram, fechados em seus blocos.