30 de abril de 2009

Inventar manchetes

Duração: cerca de 15 minutos
Material: papel, lápis
Efeito: calmante


      Você está longe de tudo, sem rádio, sem telefone, jornal ou televisão, totalmente desconectado. Precisa ter sua dose de notícias. Segundo os especialistas, a dependência das notícias é atualmente relativamente grave. Algumas pessoas precisam se injetar com sua dose de informações muitas vezes ao dia. Outras mantêm-se informadas da manhã até a noite. Podemos saber as notícias por diversos meios.
      Dessa vez você não tem nenhum recurso. Não há nenhuma máquina à mão nem esperança de ter uma. Você terá de se virar e inventar as manchetes. Não há como recebê-las, mas não será tão difícil assim produzi-las. Em termos de política interna, você pode escolher entre uma demissão de ministro, um novo conjunto de medidas (podem ser referentes a impostos, à educação, aos transportes, ao ambiente), um escândalo, um tratado, uma polêmica, uma viagem oficial. Em termos de política internacional, pode ser uma guerra, um golpe de estado, uma reunião de especialistas (o assunto pode ser questões monetárias, comércio eletrônico ou pesca) e até um atentado terrorista, um terremoto, um incêndio, uma inundação.
      Não se esqueça das novidades científicas: progressos na clonagem humana, a descoberta de tráfico de órgãos, um novo material para estocar órgãos doados. Acrescente um pouco de cultura: os filmes mais recentes, uma nova exposição, perfil de um escritor. Continue, se o coração mandar, com algumas notas sobre “pessoas”: um divórcio de uma atriz, dois casamentos de princesas, um cantor preso por excesso de velocidade.
      O toque final são as variedades. Um roubo, um assassinato, um acidente de carro. Pronto. Você tem quase tudo de que precisa, mas nada o impede de criar ainda, rapidamente, um pequeno meteoro, algumas quedas da Bolsa e até os resultados da loteria. Em caso de dificuldade na seção de notícias curtas, imagine um morto, uma personalidade política de primeiro escalão, um prêmio Nobel de literatura, uma retrospectiva sobre um cineasta famoso, opiniões dos leitores.
      O objetivo dessa experiência não é preencher um vazio. Cabe a você sentir como o fluxo de informações não cessa de se repetir, idêntico a ele mesmo, sem progresso, sem novidade. A extrema facilidade com a qual é possível fabricar uma pseudo-atualidade confirma que as notícias são o que há de menos novo. Elas repetem, indefinidamente, as misérias humanas. Essa mensagem desprovida de atrativos é decorada para fingir que traz algo de inédito. Talvez, se você repetir essa experiência de tempos em tempos, poderá concluir que essas informações não têm importância, que quase não têm realidade.
      Será isso uma informação?


______
DROIT, Roger-Pol. 101 experiências de filosofia cotidiana. [trad. Carlos Irineu da Costa]. Rio de Janeiro: Sextante, 2002. p. 50-1.

Caridade


      A caridade é o que resta quando não há bondade nem justiça.


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SARAMAGO, José. In: O caderno de Saramago. 30/04/2009.
http://caderno.josesaramago.org/2008/11/06/palavras/.

29 de abril de 2009

O alisador ou A missão fracassada do soldado Tatão Ramos


      Trecho do relatório que o delegado Gontijo dos Santos, de Guaxindi da Boca do Mato, remeteu aos escalões superiores:
      “Vai de meio semestre para cá que esta jurisdição criminal foi tomada pelos desregramentos de um indigitado que deixa, nos escritos que escreve, o nome de Chico Alisador, cuja astúcia principal consiste em escamar, no sono da madrugada, pernas e demais naturezas das meninas e damas em suas alcovas. Anda com pé de paina e some em feitio de vento. Para dar cobro a tamanho despautério, montei armadilha especial na pessoa do soldado Tatão Ramos que vesti da roupa mais fina e a cara dele empapei das pomadas mais custosas dos armarinhos, foramente uma cabeleira postiça que angariei no comércio de Ubá. Assim, em jeito de moça, de salto alto e bolsa no dedo grosso, foi Tatão dormir na casa das meninas Frazão, muito apreciadas pelos altos avantajados com que a natureza municiou seus respectivos amassadores de cadeira, coisa de ser vista no longe do olho nu. Rebocadas as meninas para lugar seguro, ficou Tatão fazendo as vezes delas e bem não tinha apagado a vela já o desnaturado era chegado, pelo que submeteu o dito Tatão a trabalho de escamação que começou na boca da noite e saiu pelo gogó da madrugada, sem que o descompetente deitasse mão nele. De manhã, sabedor do sucedido, inquiri Tatão em modo autoritativo, reprovando seu pouco-casismo e suas desconsiderações para com a Polícia Militar. Respondeu fora dos regulamentos, afiançando que de uma boa alisação ninguém nunca que podia escapar. Nesse ínterim, o nojento indivíduo passou pelo quarto de mais cinco moças e quatro viúvas, de não escapar nem a velha Dodó Reis, que já atravessou cem anos só de fazer licor de jenipapo. Na hora que intimei a dita Dodó Reis para falar no inquérito, veio com gritos e impropérios asseverando que não era pior do que as outras e até que o noturno sujeito louvou seu serviço de joelhos e partes além. Diante disso, não tem mais velha nesta jurisdição criminal que não queira dormir de janela escancarada, pelo que tive de reforçar a ronda. O pior é que essa mania contaminou até o pessoal do comércio de Guaxandi da Boca do Mato, havendo muito negociante maluco da cabeça para ser passado pela mão do indigitado Chico Alisador, por ser bom para reumatismo. O sacristão Lilico Alvarenga não quer outra coisa e até o tal do paletó lascado ele já adquiriu, o que é uma sem-vergonhice em sujeito com responsabilidade de missa e batizado.”


______
CARVALHO, José Cândido de. Os mágicos municipais. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984. p. 10-11.

Sair


Largar o cobertor, a cama, o
medo, o terço, o quarto, largar
toda simbologia e religião; largar o
espírito, largar a alma, abrir a
porta principal e sair. Esta é
a única vida e contém inimaginável
beleza e dor. Já o sol,
as cores da terra e o
ar azul - o céu do dia -
mergulharam até a próxima aurora; a
noite está radiante e Deus não
existe nem faz falta. Tudo é
gratuito: as luzes cinéticas das avenidas,
o vulto ao vento das palmeiras
e a ânsia insaciável do jasmim;
e, sobre todas as coisas, o
eterno silêncio dos espaços infinitos que
nada dizem, nada querem dizer e
nada jamais precisaram ou precisarão esclarecer.


______
CICERO, Antonio. A cidade e os livros. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 77.

27 de abril de 2009

Os biellenses, gente dura


         Certo dia, um camponês descia para Biella. O tempo estava tão feio que quase não dava para andar pela estrada. Mas o camponês tinha um compromisso importante e continuava a caminhar de cabeça baixa, enfrentando a chuva e a tempestade.
         Encontrou um velho que lhe disse:
         "Bom dia! Aonde vai, bom homem, com tanta pressa?"
         "Para Biella," disse o camponês sem se deter.
         "Poderia dizer ao menos: 'se Deus quiser.'"
         O camponês parou, encarou o velho e contestou:
         "Se Deus quiser vou para Biella; e, se Deus não quiser, vou do mesmo jeito."
         Ora, aconteceu que aquele velho era o Senhor.
         "Então, você irá para Biella dentro de sete anos," disse-lhe. "Nesse ínterim, dê um mergulho naquele pântano e fique por lá sete anos."
         E o camponês se transformou em rã de um só golpe, deu um salto e sumiu no pântano.
         Passaram-se sete anos. O camponês saiu do pântano, virou homem, enfiou o chapéu na cabeça e retomou a estrada para o mercado.
         Após alguns passos, eis de novo aquele velho.
         "Aonde é que vai, bom homem?"
         "Para Biella."
         "Poderia dizer: 'se Deus quiser.'"
         "Se Deus quiser, melhor; caso contrário, já conheço as regras, e posso ir sozinho para o pântano."
         E não houve jeito de arrancar nem mais uma palavra dele.


______
CALVINO, Italo. Fábulas italianas. [trad. Nilson Moulin]. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 79.

18 de abril de 2009

Pandemos: soneto 1 a Afrodite anadiômena


Dentífona apriuna a veste iguana
de que se escalca auroma e tentavela.
Como superta e buritânea amela
se palquitonará transcêndia inana!

Que vúlcios defuratos, que inumana
sussúrrica dosntália penicela,
às trícotas relesta demiquela,
fissivirão bolíneos, ó primana!

Dentívolos palpículos, baissai!
lingâmicos dolins, refucarai!
Por mamivornas contumai a veste!

E, quando prolifarem as sangrárias,
lambidonai tutílicos anárias,
tão placitantos como o pedipeste.


______
SENA, Jorge de. Pandemos: soneto 1 a Afrodite anadiômena. In: GRÜNEWALD, José Lino (org). Grandes sonetos da nossa língua. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987. p. 221.

17 de abril de 2009

Gato pensa?


Dizem que gato não pensa
mas é difícil de crer.
Já que ele também não fala
como é que se vai saber?

A verdade é que o Gatinho,
quando mija na almofada,
vai depressa se esconder:
sabe que fez coisa errada.

E se a comida está quente,
ele, antes de comer,
muito calculadamente,
toca com a pata pra ver.

Só quando a temperatura
da comida está normal,
vem ele e come afinal.

E você pode explicar
como é que ele sabia
que ela ia esfriar?


______
GULLAR, Ferreira. Poesia completa, teatro e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. p. 416.

Ciúme


      Ciúme! "Otelo não é ciumento, é crédulo" - observou Púchkin, e só essa observação já é uma prova da profundidade incomum do nosso grande poeta. Otelo estava simplesmente com a alma em frangalhos e com toda sua visão de mundo turvada porque morrera o seu ideal. Mas Otelo não ficaria se escondendo, espionando, com olhares furtivos, ele é crédulo. Ao contrário, precisava ser açulado, incitado, atiçado com esforços extraordinários para que só assim se apercebesse da traição. Não é assim o verdadeiro ciumento. É até impossível imaginar toda desonra e decadência moral a que um ciumento é capaz de acomodar-se sem quaisquer remorsos. E note-se que nem todos são propriamente almas torpes e sórdidas. Ao contrário, de coração elevado, de amor puro, cheios de abnegação, podem ao mesmo tempo esconder-se debaixo de mesas, subornar diaristas torpes e acomodar-se à mais indecente sordidez da espionagem e da escuta atrás das portas. Otelo não poderia se conformar com a traição por nada neste mundo - deixar de perdoar não deixaria, mas se conformar, não - embora fosse de alma pacata e pura como a alma de uma criança. Não é o mesmo que acontece com o verdadeiro ciumento: é difícil imaginar a que esse ou aquele ciumento pode acomodar-se e conformar-se e o que pode perdoar! Os ciumentos são os primeiros a perdoar, e isso todas as mulheres sabem. O ciumento pode e é capaz de perdoar depressa demais (claro, após uma terrível cena inicial), por exemplo, uma traição já quase provada, os abraços e beijos já presenciados por ele mesmo, se, por exemplo, puder ao mesmo tempo asseverar-se, de alguma maneira, de que isso aconteceu "pela última vez" e que a partir desse momento seu rival desaparecerá, irá para o fim do mundo, ou ele mesmo a levará para algum lugar em que esse terrível rival não voltará a aparecer. É claro que a conciliação acontecerá apenas por uma hora, porque, mesmo que o rival tenha realmente desaparecido, amanhã mesmo ele inventará outro, um novo, e voltará a ter ciúmes. Poder-se-ia pensar: que amor é esse que precisa ser tão vigiado, e de que vale um amor que precisa ser tão intensamente vigiado? Pois é isso que nunca irá compreender o verdadeiro ciumento; não obstante, palavra, entre eles aparecem pessoas até de coração elevado. Também é digno de nota que, estando essas mesmas pessoas de corações elevados em algum cubículo, escutando atrás da porta e espionando, ainda que, com "seus corações elevados", compreendam claramente toda a desonra em que caíram voluntariamente, mesmo assim nunca sentem remorso, ao menos enquanto se encontram nesse cubículo.


______
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os irmãos Karamázov (vol. 2). [trad. Paulo Bezerra]. São Paulo: Ed. 34, 2008. p.508-9.

15 de abril de 2009

Belo belo


Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo – que foi? passou – de tantas estrelas
[cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

– Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.


______
BANDEIRA, Manuel. Bandeira de bolso: uma antologia poética. Porto Alegre: L&PM, 2008. p. 108-9.

14 de abril de 2009

Eu e as flores


Quando eu passo
perto das flores
quase elas dizem assim:
Vai que amanhã enfeitaremos o seu fim
(...)


______
CAVAQUINHO, Nelson. Eu e as flores.

Sobriedade


      Ali onde a sobriedade te abandona, ali se encontra o limite de teu pensamento.


______
HÖLDERLIN, Friedrich. apud RAMOS, Nuno. Rugas: sobre Nelson Cavaquinho. Revista Serrote. São Paulo: n.1, p.14, mar. 2009.

9 de abril de 2009

Monólogo


Estar atento diante do ignorado,
Reconhecer-se no desconhecido,
Olhar o mundo, o espaço iluminado,
E compreender o que não tem sentido.
Guardar o que não pode ser guardado,
Perder o que não pode ser perdido.
- É preciso ser puro, mas cuidado!
É preciso ser livre, mas sentido!
É preciso paciência, e que impaciência!
É preciso pensar, ou esquecer,
E conter a violência, com prudência,
Qual desarmada vítima ao querer
Vingar-se, sim, vingar-se da existência,
E, misteriosamente, não poder.


______
MILANO, Dante. Melhores poemas. São Paulo: Global, 1998.

Galo galo


O galo
no saguão quieto.

Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.

De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte,
passeia.

Mede os passos. Para.
Inclina a cabeça coroada
dentro do silêncio
– que faço entre coisas?
– de que me defendo?

                                Anda

no saguão.
O cimento esquece
o seu último passo.

Galo: as penas que
florescem da carne silenciosa
e o duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se apoia
tal arquitetura?

Saberá que, no centro
de seu corpo, um grito
se elabora?

Como, porém, conter,
uma vez concluído,
o canto obrigatório?

Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto rubro escoa.

Mas a pedra, a tarde,
o próprio feroz galo
subsistem ao grito.

Vê-se: o canto é inútil.

O galo permanece – apesar
de todo o seu porte marcial –
só, desamparado,
num saguão do mundo.
Pobre ave guerreira!

Outro grito cresce
agora no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporões e crista
e sobretudo sem esse olhar
de ódio,
            não seria tão rouco
e sangrento

                 Grito, fruto obscuro
e extremo dessa árvore: galo.
Mas que, fora dele,
é mero complemento de auroras.


______
GULLAR, Ferreira. Galo galo. In: ______. Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004. p. 11-2.

Uma luz do chão


(...) pretendo que a poesia tenha a virtude de, em meio ao sofrimento e ao desamparo, acender uma luz qualquer. Uma luz que não nos é dada, que não desce dos céus, mas que nasce das mãos e do espírito dos homens.


______
GULLAR, Ferreira. Sobre arte, sobre poesia (uma luz do chão). Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. p. 152.

Rakítin


(...) [Senhora Khokhlakova] considerava Rakítin o jovem mais honrado e religioso, tamanha era a capacidade dele de se dar com todo mundo e apresentar-se diante de cada um como este gostaria de vê-lo, desde que visse nisso o mínimo de vantagem para si mesmo.


______
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os irmãos Karamázov (vol. 2). [trad. Paulo Bezerra]. São Paulo: Ed. 34, 2008. p. 445.

8 de abril de 2009

Reflexão


Está fora
de meu alcance
o meu fim

Sei só até
onde sou

contemporâneo
de mim


______
GULLAR, Ferreira. Muitas vozes. Rio de Janeiro, José Olympio, 1999.

6 de abril de 2009

Poesia filha da mãe


no dia da poesia
minha mãe nasceu
será que sou filho de um verso?
ou o inverso é que sou eu?

tô me catando pra datas mas o fato é que minha mãe não
[podia ter morrido assim

tô me lascando em pedaços mas o triste é que o trato tem
[que ser levado até o fim

não tenho jeito de poeta
não acho feio jogar peteca
não ando satisfeito na minha cueca

viva a poesia
que dispara letras frias com sangue quente nas veias
na metade das minhas pernas
moram duas longas meias.


______
MARTINS, Tião. Poesia & Cia. 06/04/09. http://tiaomartins.blogspot.com/2009/03/poesia-filha-da-mae.html

Vulto


palavra,
não estou sozinha.
essa minha clausura
admite companhia
: poesia que me povoa
verso que apavora
fantasma, que é Pessoa


______
TARELHO, Valéria. Vulto. In: BACCA, Ademir Antonio (org). Poesia do Brasil (vol. 3). Bento Gonçalves: Grafite, 2006. p. 202.

2 de abril de 2009

Contos de fada


      Fairy tales are more than true: not because they tell us that dragons exist, but because they tell us that dragons can be beaten.


      Contos de fada são mais do que verdadeiros: não por que nos dizem que dragões existem, mas por que nos dizem que podemos derrotá-los.

______
CHESTERTON, G. K.

Impressionista


Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.


______
PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991.

1 de abril de 2009

Metade da vida


Peras amarelas
E rosas silvestres
Da paisagem sobre a
Lagoa.

Ó cisnes graciosos,
Bêbedos de beijos,
Enfiando a cabeça
Na água santa e sóbria!

Ai de mim, aonde, se
É inverno agora, achar as
Flores? e aonde
O calor do sol
E a sombra da terra?
Os muros avultam
Mudos e frios; à fria nortada
rangem os cata-ventos.

______
HÖLDERLIN, Friedrich. Metade da vida. In: BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 401.


[tradução de Antonio Cicero]

Com peras amarelas suspende-se,
Plena de rosas silvestres,
A terra sobre o lago,
Ó cisnes graciosos,
E, bêbados de beijos,
Mergulhais a cabeça
Na água santa e sóbria.

Ai de mim, onde, se
É inverno, achar as flores, e onde
A luz do sol
E as sombras da terra?
Os muros estão
Mudos e frios, ao vento
batem as bandeirolas.