31 de março de 2015

Se fôssemos infinitos


Fôssemos infinitos
Tudo mudaria
Como somos finitos
Muito permanece.

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BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 343.

A troca da roda


Estou sentado à beira do caminho.
O condutor troca a roda.
Não gosto de estar lá de onde venho.
Não gosto de estar lá para onde vou.
Por que olho a troca da roda
Com impaciência?

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BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 324.

Canção de uma enamorada


Quando me fazes alegre
Penso por vezes:
Agora poderia morrer
Então seria feliz
Até o fim.

E quando envelheceres
E pensares em mim
Estarei como hoje
E terás um amor
Sempre jovem.

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BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 319.

16 de março de 2015

Parada do velho novo

Eu estava sobre uma colina e vi o Velho se aproximando, mas ele vinha como se fosse o Novo.

Ele se arrastava em novas muletas, que ninguém antes havia visto, e exalava novos odores de putrefação, que ninguém antes havia cheirado.

A pedra passou rolando como a mais nova invenção, e os gritos dos gorilas batendo no peito deveriam ser as novas composições.

Em toda parte viam-se túmulos abertos vazios, enquanto o Novo movia-se em direção à capital.

E em torno estavam aqueles que instilavam horror e gritavam: Aí vem o Novo, tudo é novo, saúdem o Novo, sejam novos como nós! E quem escutava ouvia apenas os seus gritos, mas quem olhava, via pessoas que não gritavam.

Assim marchou o Velho, travestido de Novo, mas em cortejo triunfal levava consigo o Novo e o exibia como Velho.

O Novo ia preso em ferros e coberto de trapos; estes permitiam ver o vigor de seus membros.

E o cortejo movia-se na noite, mas o que viram como a luz da aurora era a luz de fogos no céu. E o grito: Aí vem o Novo, tudo é novo, saúdem o Novo, sejam novos como nós! seria ainda audível, não tivesse o trovão das armas sobrepujado tudo.
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BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 217.

13 de março de 2015

Numa gravura de leão chinesa


Os maus temem tuas garras.
Os bons se alegram de tua graça.
Algo assim
Gostaria de ouvir
Do meu verso.

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BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. [trad. Paulo César de Souza]. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 320.

Aos que hesitam


Você diz:
Nossa causa vai mal.
A escuridão aumenta. As forças diminuem.
Agora, depois que trabalhamos por tanto tempo
Estamos em situação pior que no início.

Mas o inimigo está aí, mais forte do que nunca.
Sua força parece ter crescido. Ficou com aparência de invencível.
Mas nós cometemos erros, não há como negar.
Nosso número se reduz. Nossas palavras de ordem
Estão em desordem. O inimigo
Distorceu muitas de nossas palavras
Até ficarem irreconhecíveis.

Daquilo que dissemos, o que é agora falso:
Tudo ou alguma coisa?
Com quem contamos ainda? Somos o que restou, lançados fora
Da corrente viva? Ficaremos para trás
Por ninguém compreendidos e a ninguém compreendendo?

Precisamos ter sorte?

Isto você pergunta. Não espere
Nenhuma resposta senão a sua.

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BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. [trad. Paulo César de Souza]. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 186.