29 de abril de 2011

A alegria

O sofrimento não tem
nenhum valor.
Não acende um halo
em volta de tua cabeça, não
ilumina trecho algum
de tua carne escura
(nem mesmo o que iluminaria
a lembrança ou a ilusão
de uma alegria).

Sofres tu, sofre
um cachorro ferido, um inseto
que o inseticida envenena.
Será maior a tua dor
que a daquele gato que viste
a espinha quebrada a pau
arrastando-se a berrar pela sarjeta
sem ao menos poder morrer?

                   A justiça é moral, a injustiça
não. A dor
te iguala a ratos e baratas
que também de dentro dos esgotos
espiam o sol
e no seu corpo nojento
de entre fezes
                         querem estar contentes.


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GULLAR, Ferreira. Poesia completa, teatro e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. p. 263.

3 de abril de 2011

      Não há razão para escrevermos um livro se não o pretendermos grande. Desde que aprendi a ler e comecei a escrever histórias o fiz por vaidade - é nisso que o homem se resume, em vaidade e autopiedade -, mas inconscientemente pretendia também dizer aos outros: olhem, eu observei, comparei e cheguei a uma conclusão. Escrevendo, enriqueço meu espírito, aprendo sobre mim mesmo e, aprendendo sobre mim mesmo, apreendo vocês e o mundo. Claro que eu não pensava nisso desse jeito. Tudo estava - como está até hoje - muito confuso.


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WOLFF, Fausto. A milésima segunda noite. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 7.