22 de abril de 2014

Noite


      Estou olhando as mulheres passarem na rua em frente deste reles botequim.
      O cara me diz, meu irmão, pode descolar uma grana para um sujeito faminto?
      Foda-se, respondo.
      Eu podia estar assaltando, mas estou pedindo - ele não sabia se ameaçava ou suplicava.
      Foda-se, repito.
      Não consigo ver bem seu olhos ansiosos de cão vadio; é uma dessas noites escuras, propícia para os pés-rapados foderem as rameiras no cantão e terem um alívio agônico enquanto o dia afinal não chega com ânsias mais horrendas.


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FONSECA, Rubem. Noite. In: ______. Amálgama. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013. p. 13.

9 de abril de 2014

A filosofia do penetral


      (...)
      - Clemente, esse nome de "penetral" é uma beleza! É bonito, difícil, esquisito, e, só por ele, a gente vê logo como sua Filosofia é profunda e importante! O que é que quer dizer "penetral", hein?
      (...)
      - Olhe, Quaderna, o "penetral" é de lascar! Ou você tem a "intuição do penetral" ou não tem intuição de nada! Basta que eu lhe diga que "o penetral" é "a união do faraute com o insólito regalo", motivo pelo qual abarca o faraute, a quadra do deferido, o trebelho da justa, o rodopelo, o torvo torvelim e a subjunção da relápsia!

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SUASSUNA, Ariano. Pedra do Reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005. p. 193.

4 de abril de 2014

Pneumotórax


Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:

- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.

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- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

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BANDEIRA, Manuel. Pneumotórax. In: ______. Estrela da vida inteia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 128.