30 de novembro de 2010

Otimismo


      Nas Mémoires de Trévoux (fevereiro de 1737), introduziu-se o termo optimisme ou "sistema do optimum" para designar a doutrina defendida por Leibniz na Teodicéia: o mal que pode ser encontrado na criação de Deus não deve ser julgado isoladamente, mas em relação com a totalidade da criação, a qual, em virtude da infinita bondade de Deus, não pode ser melhor do que é. A criação é, pois, "ótima", isto é, o mundo é um optimum. O otimismo é nesse caso um simples reconhecimento da “otimidade” do mundo.
      Voltaire intitulou Candide, ou l’optimiste o romance no qual, entre outras coisas, se zomba das ideias, ou pronunciamentos, do doutor Pangloss, que, segundo se supõe, representa a concepção leibniziana , ou derivada de Leibniz, e toda forma de “teodicéia”: diante de desgraças e crueldades em série, o doutor Pangloss julga que tudo anda bem e que, se não tivesse ocorrido o mal que ocorreu, não teria vindo o bem que se celebra. Assim, portanto, tudo está bem: tout est bien dans le meilleur des mondes.
      Visto que o pessimismo é o contrário do otimismo, caberia pensar que se Voltaire ataca este último é porque se manifesta em favor do primeiro. Contudo, embora Voltaire olhe a história com "pessimismo", como uma sucessão de desgraças, estas foram produzidas pela imbecilidade humana. As coisas podem melhorar eliminando-se a imbecilidade e a ignorância e fomentando a razão, que se ocultou, temerosa, no fundo de um poço, e é preciso fazê-la sair de lá. Voltaire é, nesse sentido, um "meliorista", ainda que caibam dúvidas sobre a intensidade desse "meliorismo" diante do pessimismo suscitado pelo terremoto de Lisboa, do qual ele dá testemunho no Poème sur le desastre de Lisbonne, de 1756.
      As tendências ao pessimismo ou ao otimismo são anteriores à introdução dos vocábulos correspondentes. São também, em muitos casos, específicas, ou seja, relativas a determinado ponto ou fim. Assim, por exemplo, Hobbes é um pessimista no que se refere à condição humana em estado natural, enquanto Rousseau é um otimista no que diz respeito à mesma condição. Por outro lado, Hobbes é ao menos "meliorista" com relação às possibilidades de dirigir a condição humana por meio de um Estado autoritário que neutralize o egoísmo de cada indivíduo, e Rousseau é também pelo menos "meliorista" com relação às possibilidades de eliminar as perversões introduzidas pela "cultura" e de restabelecer a bondade natural do homem.
      Pode-se distinguir entre um otimismo racional, e até racionalista; um otimismo temperamental, que não precisa buscar justificações racionais (ou que as encontra facilmente); e um otimismo ativo, ou pragmático, que se funda numa concepção libertadora da ação. Nenhum desses otimismos tem muitos defensores entre os filósofos; as manifestações de otimismo são escassas em comparação com as várias formas de intenso pessimismo que se manifestaram no século XIX (Schopenhauer, Eduard von Hartmann etc.), pessimismo que, depois de um período de "confiança" (ao menos entre certas camadas sociais no Ocidente), ressurgiu em estreita relação com as preocupações concernentes a possíveis catástrofes ecológicas, ou eco-catástrofes.
      É possível ser um otimista "em geral", embora se seja pessimista com relação a aspectos particulares. Deste ponto de vista, as concepções da história segundo as quais esta se acha regida por leis, e especialmente por leis de aperfeiçoamento, são otimistas, a despeito de quaisquer formas de pessimismo e de crítica que possam ser encontradas em alguma etapa determinada.


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MORA, J. Ferrater. Dicionário de filosofia (tomo III). São Paulo: Loyola, 2001. p. 2180-1.