29 de outubro de 2022

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão seguido de A influência do jornalismo e Os jogos olímpicos. [trad. Maria Lúcia Machado]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. p. 96.

      O índice de audiência é a sanção do mercado, da economia, isto é, de uma legalidade externa e puramente comercial, e a submissão às exigências desse instrumento de marketing é o equivalente exato em matéria de cultura do que é a demagogia orientada pelas pesquisas de opinião em matéria de política.

18 de outubro de 2022

GIKOVATE, Flávio. Reflexões que permanecem: uma compilação. São Paulo: MG Editores, 2017. p. 27.

      Muitas de nossa verdadeiras propriedades, como a inveja, a vaidade e a agressividade, são negadas e vão para o porão do inconsciente, de onde influenciam dramaticamente a conduta real da maior parte das pessoas, mesmo daquelas que se pretendem mais idealistas e despojadas.

17 de outubro de 2022

O ferrageiro de Carmona

Um ferrageiro de Carmona
que me informava de um balcão:
"Aquilo? É de ferro fundido,
foi a fôrma que fez, não a mão.

Só trabalho em ferro forjado 
que é quando se trabalha ferro
então, o corpo a corpo com ele, 
domo-o, dobro-o, até onde quero. 

O ferro fundido é sem luta,
é só derramá-lo na fôrma.
Não há nele a queda de braço
e o cara a cara de uma forja.
 
Existe a grande diferença
de ferro forjado ao fundido;
é uma distância tão enorme
que não pode medir-se a gritos.
 
Conhece a Giralda em Sevilha?
De certo subiu lá em cima.
Reparou nas flores de ferro
dos quatro jarros das esquinas?
 
Pois aquilo é ferro forjado.
Flores criadas em outra língua.
Nada têm das flores de fôrma
moldadas pelas das campinas.
 
Dou-lhe aqui humilde receita,
ao senhor que dizem ser poeta:
o ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ter diarreia.
 
Forjar: domar o ferro à força,
não até uma flor já sabida,
mas ao que pode até ser flor
se flor parece a quem o diga."


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MELO NETO, João Cabral de. O ferrageiro de Carmona. IN: GULLAR, Ferreira (org). O prazer do poema: uma antologia pessoal. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014. p. 46-7.

13 de setembro de 2022

DUNKER, Christian Ingo Lens. "Psicologia das massas digitais e análise do sujeito democrático". IN: ABRANCHES, Sérgio et al. Democracia em risco? 22 ensaios sobre o Brasil hoje. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 116-7.

      Há situações psíquicas, no interior das quais deixamos de adquirir ou perdemos nossa capacidade de uso autônomo da razão, por exemplo, quando estamos apaixonados, hipnotizados ou sob funcionamento de massa. Nesses casos, suspendemos nossa crença na palavra como instância de mediação de conflitos, resistimos a escutar o outro e podemos nos lançar em atividades impulsivas, cujo objetivo é suspender o trabalho da lembrança e do pensamento (acting out). Tendemos a esquecer ou a evitar lembrar aspectos dolorosos de nós mesmos e de nossa própria história. A descrição clássica do estado de massa envolve o contágio de afetos, como os que se observa em uma multidão enfurecida, um exército em pânico ou uma assembleia de religiosos em comoção. No estado de massa somos tomados por uma espécie de amnésia e de falsa coragem, e dizemos e fazemos coisas que nunca nos autorizaríamos se estivéssemos sozinhos, com nossa consciência.