10 de dezembro de 2015


If it hangs from the wall, it's a painting. If it rests on the floor, it's a sculpture. If it's very big or very small, it's conceptual. If it forms part of the wall, if it forms part of the floor, it's architecture. If you have to buy a ticket, it's modern. If you are already inside it and you have to pay to get out of it, it's more modern. If you can be inside it without paying, it's a trap. If it moves, it's outmoded. If you have to look up, it's religious. If you have to look down, it's realistic. If it's been sold, it's site-specific. If, in order to see it, you have to pass through a metal detector, it's public.

___
LERNER, Ben. Angle of yaw. Port Townsend: Copper Canyon Press, 2006. p. 45.

4 de dezembro de 2015

FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. [trad. Mario Laranjeira]. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 296.

      Ele tinha escutado tantas vezes essas coisas, que já não tinham para ele nada de original. Emma era parecida com todas as amantes; e o encanto da novidade, caindo pouco a pouco como uma roupa, deixava ver a nu a eterna monotonia da paixão, que tem sempre as mesmas formas e a mesma linguagem. Ele não distinguia, esse homem tão cheio de prática, a dessemelhança dos sentimentos sob a paridade das expressões. Porque lábios libertinos ou venais tinham murmurado frases iguais, ele só acreditava fracamente no candor delas; dever-se-ia, pensava, desconsiderar os discursos exagerados que escondem as afeições medíocres; como se a plenitude da alma não se derramasse às vezes nas metáforas mais vazias, posto que ninguém, nunca, pode dar a exata medida de suas necessidades, nem de suas concepções, nem de suas dores, e que a palavra humana é como um caldeirão trincado onde batemos melodias para fazer os ursos dançarem, quando se quereria enternecer as estrelas.

26 de outubro de 2015

Setembro


Nunca mais será setembro,
nunca mais a  tua voz dizendo
nunca mais, eu lembro,

nunca mais, eu não esqueço,
a pele, nunca mais,
o teu olhar quebrado,

dividido, vou esquecê-lo,
é o que te digo, nunca mais
a minha mão no teu sorriso,

a tua voz cantando,
vou apagá-la para sempre,
e os nossos dias, setembro, lembro

bem, dentro a tua voz dizendo não
(ouço ainda agora), como se quebrasse
um copo, mil copos, contra o muro.

Rasgarei o que não houve, o que seria,
mesmo que tudo em mim me diga não
(e diz), mas é preciso.

Como não se pensa mais um pensamento,
quero, prometo:
nunca mais será setembro.

______
FERRAZ, Eucanaã. Cinemateca. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 155.

Pedido

Houvesse deus e os deuses
a fim de que lhes pedisse:

o coração em que penso, por
mais frases e bocas que beije,

todas ache feias e frias, e que,
amanhã, ao despertar, ou à saída

da boate, pense em mim quando
a luz do dia sobre ele se desate.

______
FERRAZ, Eucanaã. Cinemateca. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 37.

Metamorfose

Súbito pássaro
dentro dos muros,
caído,

pálido barco
na onda serena
chegado.

Noite sem braços!
Cálido sangue
corrido.

E imensamente
o navegante
mudado.

Seus olhos densos
apenas sabem
ter sido.

Seu lábio leva
um outro nome
mandado.

Súbito pássaro
por altas nuvens
bebido.

Pálido barco
nas flores quietas
quebrado.

Nunca, jamais
e para sempre
perdido

o eco do corpo
no próprio vento
pregado.

______
MEIRELES, Cecília. Metamorfose. In: ______. Poesia completa: volume I. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 321-2.

O doido


Diziam, verdade ou não, que fora rico e são
e que a despeito dos bens que possuíra

acabara endividado, falido e torto. Talvez
por isso, embora miserável, a cabeça

reta, o andar
de quem governa e pisa terra extensa e sua

em perambular sob o sol absoluto,
absorvido sabe-se lá por que delírios.

Absorvido sabe-se lá por que delírios,
insultava o vento e o vazio numa agitação

de cabelos e palavras e era comum
vê-lo penteando com seus dedos

encardidos a água das praias,
como se província sua,

como sua líquida mulher ou filha.
Viveu assim, entre feridas e piolhos,

Até que desceu a noite
e uma pedra veio buscá-lo.


______
FERRAZ, Eucanaã. Cinemateca. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 127.

28 de setembro de 2015

GOETHE, Johann Wolfgang von. Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. [trad. Nicolino Simone Neto]. São Paulo: Ed. 34, 2006. p. 216.

      Por que o mestre-de-capela se sente mais seguro com sua orquestra que o diretor com seu espetáculo? Porque ali todos haverão de se envergonhar de seus desacertos, que ofendem o ouvido exterior; mas raramente tenho visto um ator reconhecer e envergonhar-se de seus desacertos, perdoáveis ou não, que ofendem de maneira tão indigna o ouvido interior. Não desejaria eu outra coisa senão que o teatro fosse tão estreito quanto a maroma de um funâmbulo, para que nenhum inepto ousasse nela subir, ao contrário do que ocorre agora, quando qualquer um se sente apto o bastante para se exibir em público.

16 de agosto de 2015

Ultima multis


de repente um gosto veio
fugacidade e saliva
um certo ranço, receio
dessa hora decisiva

lembro-me do rosto, meio
encoberto, inconcebida
sensação — o quarto cheio
em torneio com a vida

depois, o choro — e calcadas
na parede, as sombras — luto
de formas mal debuxadas

suspiros, rosas em cruz
sobre o peito resoluto
círios, odores e luz

______
FERREIRA, Antonio Geraldo Figueiredo. Peixe e míngua. São Paulo: Nankin Editorial, 2003. p. 93.

21 de julho de 2015

CAMUS, Albert. Esperança do mundo: cadernos (1935-37). [trad. Rafael Araújo & Samara Geske]. São Paulo: Hedra, 2014. p. 56.

      AGOSTO DE 37 - Sempre que escuto um discurso político ou que leio aqueles dos que nos governam, fico impressionado com o fato de, depois de anos, não ouvir nada que traduza um som humano. São sempre as mesmas palavras que dizem as mesmas mentiras. E que os homens se acomodem, que a raiva do povo ainda não tenha derrubado os marionetes [sic], eu vejo nisso a prova de que os homens não dão nenhuma importância ao seu governo e que eles brincam, sim, realmente brincam com uma parte de suas vidas e de seus interesses supostamente vitais.

CAMUS, Albert. Esperança do mundo: cadernos (1935-37). [trad. Rafael Araújo & Samara Geske]. São Paulo: Hedra, 2014. p. 51.

      JULHO DE 37 - O aventureiro. Tem o sentimento claro que não há mais nada a fazer em arte. Nada de grande ou novo é possível - ao menos nessa cultura do Ocidente. Só resta a ação. Mas quem tem uma grande alma só parte para a ação com desespero.

1 de abril de 2015

Lista de preferências de Orge


Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.

Casos, os inconcebíveis.
Conselhos, os inexequíveis.

Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.

Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.

Domicílios, os temporários.
Adeuses, os bem sumários.

Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.

Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.

Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.

Cores, o rubro.
Meses, outubro.

Elementos, os fogos
Divindades, o Logos.

Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.

______
BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 47.

O cordão partido


O cordão partido pode ser novamente atado
Ele segura novamente, mas
Está roto.

Talvez nos encontremos de novo, mas
Ali onde você me deixou
Não me achará novamente.

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BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 142.

Quando no quarto branco do hospital


Quando no quarto branco do hospital
Acordei certa manhã
E ouvi o melro, compreendi
Bem. Há algum tempo
Já não tinha medo da morte. Pois nada
Me poderá faltar
Se eu mesmo faltar. Então
Consegui me alegrar com
Todos os cantos dos melros depois de mim.

______
BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 342.

31 de março de 2015

Se fôssemos infinitos


Fôssemos infinitos
Tudo mudaria
Como somos finitos
Muito permanece.

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BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 343.

A troca da roda


Estou sentado à beira do caminho.
O condutor troca a roda.
Não gosto de estar lá de onde venho.
Não gosto de estar lá para onde vou.
Por que olho a troca da roda
Com impaciência?

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BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 324.

Canção de uma enamorada


Quando me fazes alegre
Penso por vezes:
Agora poderia morrer
Então seria feliz
Até o fim.

E quando envelheceres
E pensares em mim
Estarei como hoje
E terás um amor
Sempre jovem.

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BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 319.

16 de março de 2015

Parada do velho novo

Eu estava sobre uma colina e vi o Velho se aproximando, mas ele vinha como se fosse o Novo.

Ele se arrastava em novas muletas, que ninguém antes havia visto, e exalava novos odores de putrefação, que ninguém antes havia cheirado.

A pedra passou rolando como a mais nova invenção, e os gritos dos gorilas batendo no peito deveriam ser as novas composições.

Em toda parte viam-se túmulos abertos vazios, enquanto o Novo movia-se em direção à capital.

E em torno estavam aqueles que instilavam horror e gritavam: Aí vem o Novo, tudo é novo, saúdem o Novo, sejam novos como nós! E quem escutava ouvia apenas os seus gritos, mas quem olhava, via pessoas que não gritavam.

Assim marchou o Velho, travestido de Novo, mas em cortejo triunfal levava consigo o Novo e o exibia como Velho.

O Novo ia preso em ferros e coberto de trapos; estes permitiam ver o vigor de seus membros.

E o cortejo movia-se na noite, mas o que viram como a luz da aurora era a luz de fogos no céu. E o grito: Aí vem o Novo, tudo é novo, saúdem o Novo, sejam novos como nós! seria ainda audível, não tivesse o trovão das armas sobrepujado tudo.
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BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 217.

13 de março de 2015

Numa gravura de leão chinesa


Os maus temem tuas garras.
Os bons se alegram de tua graça.
Algo assim
Gostaria de ouvir
Do meu verso.

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BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. [trad. Paulo César de Souza]. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 320.

Aos que hesitam


Você diz:
Nossa causa vai mal.
A escuridão aumenta. As forças diminuem.
Agora, depois que trabalhamos por tanto tempo
Estamos em situação pior que no início.

Mas o inimigo está aí, mais forte do que nunca.
Sua força parece ter crescido. Ficou com aparência de invencível.
Mas nós cometemos erros, não há como negar.
Nosso número se reduz. Nossas palavras de ordem
Estão em desordem. O inimigo
Distorceu muitas de nossas palavras
Até ficarem irreconhecíveis.

Daquilo que dissemos, o que é agora falso:
Tudo ou alguma coisa?
Com quem contamos ainda? Somos o que restou, lançados fora
Da corrente viva? Ficaremos para trás
Por ninguém compreendidos e a ninguém compreendendo?

Precisamos ter sorte?

Isto você pergunta. Não espere
Nenhuma resposta senão a sua.

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BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. [trad. Paulo César de Souza]. São Paulo: Editora 34, 2006. p. 186.