15 de julho de 2019

O artista inconfessável

Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre fazer e não fazer
mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil, e bem sabendo
que é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e dificil_
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.

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MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p. 58.

15 de janeiro de 2019

Despedida

Libélula gentil
voa
sê veloz
cruza, leve, os nimbos
dos que mais se desesperam
e não têm voz,
veloz torna-te visível,
convida, azul, os olhos
e os espantos.
Onde padecem vidas perdidas
nos sulcos tão profundos do escuro
tece a tua roca luminosa,
pousa a esmeralda de uma hipótese,
de uma asa.

Em seguida roça cada coisa
soletra bem seu nome
e torna-a verdadeira.

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PUSTERLA, Fabio. Argéman: antologia poética. Juiz de Fora: Macondo, 2018. p. 59.