1 de março de 2010

Ficar de joelhos para recitar a lista telefônica


Duração: 15 minutos exatamente
Material: um catálogo telefônico, de preferência antigo
Efeito: respeitoso


      Aqueles que amam os rituais não cansam de repetir: se você fizer os gestos, a crença virá. Fique de joelhos, recite da forma certa que a fé acabará chegando. Apesar disso ofender aqueles que têm uma convicção verdadeira, essa opinião não é desprovida de fundamento. É possível perceber isso através da seguinte experiência.
      Separe durante alguns dias quinze minutos do seu tempo, sempre na mesma hora. Leia em voz alta um número sempre idêntico de páginas do catálogo telefônico. Você articulará inteligentemente, linha após linha, os nomes, sobrenomes, endereços e números. Você deve procurar um catálogo bem antigo. Isso não é indispensável, mas seria interessante que essa leitura fosse o máximo possível desprovida de qualquer utilidade e presa a um texto já estabelecido, transmitido ao longo do tempo.
      Procure não dar um sentido à sua recitação. Não pense que está evocando o espírito central pedindo pelos defuntos, ou que com sua prece alcança a grande interconexão universal. Não. Você lê todos os dias de joelhos, durante quinze minutos, páginas da lista telefônica. Isso é uma prática. O resto não passa de comentários e de floreados.
      Além das eventuais dores nos joelhos, o que você pode aprender com essa experiência? A força extrema dessas restrições absurdas, a fascinação bizarra que elas exercem, o poder que não conseguimos deixar de atribuir a elas. Porque há fortes chances de você não poder continuar sem ter de inventar uma explicação. Você começa provavelmente a atribuir algum motivo para seu comportamento. Você elabora, mesmo que seja para rir, um mito que permite dar conta dessa leitura, de seu objetivo e de sua dimensão.
      Se não conseguir parar, funde uma seita.


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DROIT, Roger-Pol. 101 experiências de filosofia cotidiana. Rio de Janeiro: Sextante, 2002. p. 165-6.

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