29 de abril de 2009

O alisador ou A missão fracassada do soldado Tatão Ramos


      Trecho do relatório que o delegado Gontijo dos Santos, de Guaxindi da Boca do Mato, remeteu aos escalões superiores:
      “Vai de meio semestre para cá que esta jurisdição criminal foi tomada pelos desregramentos de um indigitado que deixa, nos escritos que escreve, o nome de Chico Alisador, cuja astúcia principal consiste em escamar, no sono da madrugada, pernas e demais naturezas das meninas e damas em suas alcovas. Anda com pé de paina e some em feitio de vento. Para dar cobro a tamanho despautério, montei armadilha especial na pessoa do soldado Tatão Ramos que vesti da roupa mais fina e a cara dele empapei das pomadas mais custosas dos armarinhos, foramente uma cabeleira postiça que angariei no comércio de Ubá. Assim, em jeito de moça, de salto alto e bolsa no dedo grosso, foi Tatão dormir na casa das meninas Frazão, muito apreciadas pelos altos avantajados com que a natureza municiou seus respectivos amassadores de cadeira, coisa de ser vista no longe do olho nu. Rebocadas as meninas para lugar seguro, ficou Tatão fazendo as vezes delas e bem não tinha apagado a vela já o desnaturado era chegado, pelo que submeteu o dito Tatão a trabalho de escamação que começou na boca da noite e saiu pelo gogó da madrugada, sem que o descompetente deitasse mão nele. De manhã, sabedor do sucedido, inquiri Tatão em modo autoritativo, reprovando seu pouco-casismo e suas desconsiderações para com a Polícia Militar. Respondeu fora dos regulamentos, afiançando que de uma boa alisação ninguém nunca que podia escapar. Nesse ínterim, o nojento indivíduo passou pelo quarto de mais cinco moças e quatro viúvas, de não escapar nem a velha Dodó Reis, que já atravessou cem anos só de fazer licor de jenipapo. Na hora que intimei a dita Dodó Reis para falar no inquérito, veio com gritos e impropérios asseverando que não era pior do que as outras e até que o noturno sujeito louvou seu serviço de joelhos e partes além. Diante disso, não tem mais velha nesta jurisdição criminal que não queira dormir de janela escancarada, pelo que tive de reforçar a ronda. O pior é que essa mania contaminou até o pessoal do comércio de Guaxandi da Boca do Mato, havendo muito negociante maluco da cabeça para ser passado pela mão do indigitado Chico Alisador, por ser bom para reumatismo. O sacristão Lilico Alvarenga não quer outra coisa e até o tal do paletó lascado ele já adquiriu, o que é uma sem-vergonhice em sujeito com responsabilidade de missa e batizado.”


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CARVALHO, José Cândido de. Os mágicos municipais. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984. p. 10-11.

Um comentário:

luany disse...

Você não tem ele completo para min, não???
Se tiver manda pro meu e-mail agora,Por favor!!