25 de maio de 2025

BRODSKY, Joseph. Watermark: an essay on Venice. London: Penguin, 2013. p 106-9.

The eye is the most autonomous of our organs. It is so because the objects of its attention are inevitably situated on the outside. Except in a mirror, the eye never sees itself. It is the last to shut down when the body is falling asleep. It stays open when the body is stricken with paralysis or dead. The eye keeps registering reality even when there is no apparent reason for doing this, and under all circumstances. The question is: why? And the answer is: because the environment is hostile. Eyesight is the instrument of adjustment to an environment which remains hostile no matter how well you have adjusted to it. The hostility of the environment grows proportionately to the length of your presence in it, and I am speaking not of old age only. In short, the eye is looking for safety. That explains the eye predilection for art in general and Venetian art in particular. That explains the eye’s appetite for beauty, as well as beauty’s own existence. For beauty is solace, since beauty is safe. It doesn’t threaten you with murder or make you sick. A statue of Apollo doesn’t bite, nor will Carpaccio’s poodle. When the eye fails to find beauty – alias solace – it commands the body to create it, or, failing that, adjusts itself to perceive virtue in ugliness. In the first instance, it relies on human genius; in the second, it draws on one’s reservoir of humility. The latter is in greater supply, and like every majority tends to make laws. Let’s have an illustration; let’s take a young maiden. At a certain age one eyes passing maidens without applied interest, without aspiring to mount them. Like a TV set left switched on in an abandoned apartment, the eye keeps sending in images of all these 5’8” miracles, complete with light chestnut hair, Perugino ovals, gazelle eyes, nurse-like bosoms, wasp waists, dark-green velvet dresses, and razor sharp tendons. An eye may zero in on them in a church at someone’s wedding or, worse still, in a bookstore’s poetry section. Reasonably farsighted or resorting to the counsel of the ear, the eye may learn their identities (which come with names as breathtaking as, say, Arabella Ferri) and, alas, their dishearteningly firm romantic affiliations. Regardless of such data’s uselessness, the eye keeps collecting it. In fact, the more useless the data, the sharper the focus. The question is why, and the answer is that beauty is always external; also, that it is the exception to the rule. That’s what – its location and its singularity – sends the eye oscillating wildly or – in militant humility’s parlance – roving. For beauty is where the eye rests. Aesthetic sense is the twin of one’s instinct for self-preservation and is more reliable than ethics. Aesthetic’s main tool, the eye, is absolutely autonomous. In its autonomy, it is inferior only to a tear.

7 de abril de 2025

SIMAS, Luiz Antonio. Meus heróis civilizadores. In: ______. Pedrinhas miudinhas: ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros. Rio de Janeiro: Mórula, 2019. p 17.

Não existe redenção para as grandes tragédias, mas a vingança sublime e a única forma de transcendência dos homens ao desmazelo da vida é transformar a má fortuna e a dor em beleza, civilização e arte.

15 de março de 2025

ARANTES, Ana Claudia Quintana. A morte é um dia que vale a pena viver. Rio de Janeiro: Sextante, 2022. pp. 84-5.

O problema é que caminhamos ao lado de pessoas que pensam que são eternas. Por causa dessa ilusão, levam a vida de modo irresponsável, sem compromisso com o bom, o belo e o verdadeiro, distanciadas da própria essência. Pessoas que não gostam de falar ou pensar sobre a morte são como crianças brincando de esconde-esconde numa sala sem móveis: elas tapam os olhos com as mãos e acham que ninguém as vê. Pensam de um jeito ingênuo: “Se eu não olho para a morte, ela não me vê. Se eu não penso na morte, ela não existe.” E é essa ingenuidade que as pessoas praticam o tempo todo com a própria vida. Pensam que, se não olharem para o lixo de relação afetiva, o lixo de trabalho, o lixo de vida que preservam a qualquer preço, será como se o lixo não existisse. Mas o lixo se faz presente. Cheira mal, traz desconforto, traz doenças.

Elas podem pensar que, se não olharem para o Deus morto que cultivam em seus dogmas, esse Deus ficará bem-comportado para sempre. Não querem saber da verdade de um Deus morto que não se abre para o milagre do encontro sagrado. Essa gente vive meio morta para as relações de amizade, para o encontro com seus pares; é gente morta dentro da família e morta também na relação que têm com o sagrado em sua vida. Viver como mortos faz com que essa gente toda não consiga viver de verdade. Existem, mas não vivem. Há muitos ao nosso redor.

Eu os chamo de zumbis existenciais. Nas redes sociais, ao insistir em compartilhar violência e preconceito, ao persistir na vaidade de se manter infeliz por dentro e bobamente feliz por fora, as pessoas cultivam cada vez mais a própria morte sem se dar conta disso.

17 de fevereiro de 2025

SIMAS, Luiz Antonio. Coisa nossas. Rio de Janeiro: José Olympio, 2017. p. 63. E-book.

Um dia desses me pediram que falasse do meu carnaval inesquecível. Respondi que os melhores carnavais são aqueles dos quais não temos recordações, já que a essência da festa é o esquecimento. Carnaval bom é aquele do qual temos vaga, ou nenhuma, lembrança. O meu carnaval inesquecível, portanto, foi um desastre.

2 de dezembro de 2024

CIORAN, Emil. Nos cumes do desespero. Tradução de Fernando Klabin. São Paulo: Hedra, 2011. p. 18.

As mais profundas experiências subjetivas são também as mais universais, pois por meio delas chega-se à profundeza primordial da vida. A verdadeira interiorização conduz a uma universalidade inacessível aos que permanecem na zona periférica. A interpretação vulgar da universalidade vê nela mais uma forma de complexidade em extensão do que uma abrangência qualitativa, rica. Por isso, ela vê o lirismo como um fenômeno periférico e inferior, produto de uma inconsistência espiritual, ao invés de perceber que os recursos líricos da subjetividade apontam para um frescor e uma profundidade íntima dos mais notáveis.

CIORAN, Emil. Nos cumes do desespero. Tradução de Fernando Klabin. São Paulo: Hedra, 2011. p. 17.

Há estados e obsessões com que não se pode conviver. Nossa salvação não seria, portanto, confessá-los? Mantidas na consciência, a terrível experiência e a tenebrosa obsessão da morte tornam-se devastadoras. Ao falarmos da morte, salvamos algo de nós mesmos, ao mesmo tempo que no nosso ser algo se extingue, pois os conteúdos objetivados pela consciência perdem sua atualidade. O lirismo representa uma força de dispersão da subjetividade por indicar, no indivíduo, uma efervescência incoercível da vida, que sem cessar exige expressão. Ser lírico significa não podermos permanecer fechados em nós mesmos. Quanto mais interior, profundo e concentrado for o lirismo, mais intensa será essa necessidade de exteriorização.

28 de novembro de 2024

ONFRAY, Michel. A política do rebelde: tratado de resistência e insubmissão. [trad. Mauro Pinheiro]. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p. 117.

No espírito de Nietzsche, era preciso uma Grande Política, livre das contingências estreitas e mesquinhas daquilo que se convencionou chamar hoje de política politiqueira. Afastada dos cálculos cotidianos, da aritmética em virtude da qual se ascende ao poder e depois lá se mantém, a grande política quer os meios de uma ação e visa à encarnação. O poder, certamente, mas para fazer o quê, senão exprimir, realizar, encarnar uma política, quer dizer, um projeto, ideias, um querer, uma energia. A força se distingue da violência, pois a primeira sabe aonde vai, e a segunda se submete aos impulsos selvagens que a habitam. O capitalismo é uma violência, a política uma força. E a segunda serve como único remédio para a primeira.

ONFRAY, Michel. A política do rebelde: tratado de resistência e insubmissão. [trad. Mauro Pinheiro]. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p. 117.

O reencantamento do mundo só poderá ocorrer visando ao fim de um economismo celebrado sob a forma de religião, entendido como único laço social possível hoje. A submissão da economia à lei da política é uma necessidade vital. Enquanto perdurar o inverso, a lei do mercado triunfará, sozinha, sem contrapartida e, projetados no sentido do abismo, nós conheceremos corridas desenfreadas em direção a mais mortes, sofrimento e dor.

20 de novembro de 2024

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 81.

No pavor, somos vítimas de uma agressão do futuro.

CIORAN, Emil. Silogismos da amargura. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 93.

Quanto mais convivemos com os homens, mais nossos pensamentos se obscurecem; e quando, para aclará-los, voltamos à nossa solidão, encontramos nela a sombra que eles projetaram.