18 de junho de 2025

Mediocridade

A média, mas considerada em sua insuficiência. É nosso estado normal, mas não é a norma. Para o espírito, somente a exceção merece ser a regra.

A mediocridade é o oposto do justo meio aristotélico: não é uma linha de crista entre dois abismos, mas uma sarjeta, como as que se faziam nas ruas na Idade Média, entre duas rampas. Basta deixar-se escorregar para nela cair.


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COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário filosófico. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 378.

Humor

É uma forma de graça, mas que faz rir principalmente do que não é engraçado. Por exemplo, o condenado à morte, evocado por Freud, que conduzem numa segunda-feira ao patíbulo: “A semana está começando bem!”, murmura ele. Ou Woody Allen: “Não só Deus não existe, mas tentem encontrar um encanador no fim de semana!” Ou Pierre Desproges anunciando sua doença ao público: “Se você for mais canceroso que eu, está morto!” Isso supõe um trabalho, uma elaboração, uma criação. Não é o real que é engraçado, mas o que dele se diz. Não seu sentido, mas sua interpretação – ou sua falta de sentido. Não o prazer que nos oferece, mas o que sentimos ao constatar que ele não propõe nenhum que possa nos satisfazer. Conduta de luto: buscamos um sentido; constatamos que ele falta ou se destrói; rimos do nosso próprio fracasso. E isso, porém, é como um triunfo do espírito.

O humor se distingue da ironia pela reflexividade ou pela universalidade. O ironista ri dos outros. O humorista, de si ou de tudo. Ele se inclui no riso que provoca. É por isso que nos faz bem, ao pôr o ego à distância. A ironia despreza, exclui, condena; o humor perdoa ou compreende. A ironia fere; o humor cura ou aplaca.

Há algo de trágico no humor; mas é um trágico que se recusa a levar-se a sério. Ele trabalha sobre as nossas esperanças, para assinalar seu limite, sobre nossas decepções, para rir delas, sobre nossas angústias, para superá-las. “Não é que eu tenha medo da morte”, explica por exemplo Woody Allen, “mas preferiria estar em outro lugar quando ela ocorrer”. Defesa derrisória? Sem dúvida. Mas que assim se confessa e que indica muito bem, contra a morte, que todas as defesas o são. Se os fiéis tivessem senso de humor, que restaria da religião?


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COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário filosófico. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 287.

15 de junho de 2025

FERNANDES, Millôr. Livro vermelho dos pensamentos de Millôr. Rio de Janeiro: Nórdica, 1974. p. 103.

É fundamental aprender a conviver com o medo, perder o mais cedo possível a esperança de nos livrarmos dele. Guimarães Rosa disse com sabedoria: "A cada dia, a cada hora, o homem aprende uma espécie nova de medo". Vivemos com medo físico, com medo econômico, com o medo metafísico diante da própria ameaça existencial que faz de nossos dias uma caminhada irreversível para a doença, para a velhice e para a morte: para o desastre. O medo é a mais fiel de nossas qualidades, nosso definitivo companheiro. Mesmo no silêncio e no escuro – ou sobretudo aí – não nos deixa. Quando o lugar é terrível, a situação desesperadora, as forças nos abandonam, a coragem nos deixa, o medo fica e cresce. Segue-nos como uma sombra e, inúmeras vezes, se confunde com ela. Nasce conosco e, se nos mata, morre conosco.

14 de junho de 2025

FERNANDES, Millôr. Livro vermelho dos pensamentos de Millôr. Rio de Janeiro: Nórdica, 1974. p. 97.

As conquistas técnicas foram tornando cada vez mais fácil outra conquista, a das massas, passivas e alienadas. Já ninguém mais precisa se esforçar longamente, viajar muito, perder anos até alcançar a discutível popularidade. Hoje uma celebridade é todo débil mental que aparecer meia dúzia de vezes na televisão.

FERNANDES, Millôr. Livro vermelho dos pensamentos de Millôr. Rio de Janeiro: Nórdica, 1974. p. 78.

O governo teima em atrair turistas para o Rio, cantando, em prosa e verso, as inexcedíveis belezas da cidade (do país). Acho que o Rio, justamente, deveria ser interditado ao turista, como vergonha nacional.

FERNANDES, Millôr. Livro vermelho dos pensamentos de Millôr. Rio de Janeiro: Nórdica, 1974. p. 70.

Não conheço ninguém que, como eu, tenha tanta noção de ser um homem medíocre. O que, desde logo, me torna um homem extraordinário.

FERNANDES, Millôr. Livro vermelho dos pensamentos de Millôr. Rio de Janeiro: Nórdica, 1974. p. 59.

Não podemos, como profissionais, oferecer ao público que nos frequenta, uma criação que ele também se julgue capaz de realizar. Seria o mesmo que um artesão fabricante de cadeiras nos oferecer uma cadeira feita com três ripas mal pregadas, mal alinhadas e mal envernizadas e nos cobrar por isso um preço profissional. No campo viril do artesanato, isso é impossível, pelo menos a esse ponto absurdo e pelo menos em larga escala. Uma cadeira comprada será sempre melhor do que as que conseguimos fazer em casa com nossas parcas habilidades e ferramentas inadequadas. E, no entanto, sem sombra de dignidade profissional, artistas, jornalistas e, sobretudo, produtores de televisão, não têm vergonha de apresentar ao público espetáculos degradantes como caráter, humilhantes como representação geral do nível artístico do país, e perigosíssimos no sentido de que uma massa de estupidez muito grande acaba embotando mesmo o potencial de inteligência mais privilegiado.

FERNANDES, Millôr. Livro vermelho dos pensamentos de Millôr. Rio de Janeiro: Nórdica, 1974. p. 49.

O homem brilhante, capaz de raciocinar a todo momento, dinâmico no seu pensamento, varia e muda com o tempo e não é mais hoje o que era há dez anos atrás. Mas o imbecil, que só tem uma ideia, incapaz de raciocinar é, forçosamente, um homem de grande convicção.

13 de junho de 2025

FERNANDES, Millôr. Livro vermelho dos pensamentos de Millôr. Rio de Janeiro: Nórdica, 1974. p. 101.

A televisão foi um meio inventado pelo homem medíocre para ser utilizado pela mediocridade para a mediocridade. Deveria se chamar mediovisão.