15 de janeiro de 2018

LXI

Paz, ó meu coração, para que seja doce a hora do adeus; para que não seja uma morte, e sim o cumprimento de um destino.

Vivamos da saudade do nosso amor, transformando em canções a nossa dor.

Termine aquela fuga alta pelo céu num quieto fechar de asas sobre o ninho.

Seja doce como a flor que se abre de noite o nosso derradeiro aperto de mão.

Espera um pouco mais, lindo fim do nosso amor: e dize-nos, no silêncio, as tuas últimas palavras!

Eu me inclino e levanto a minha lâmpada para alumiar o teu caminho.

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TAGORE, Rabindranath. O jardineiro. Tradução de Guilherme de Almeida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943. p. 91.

13 de janeiro de 2018

LXXIX

Pergunto-me, muitas vezes, até que ponto podem reconhecer-se o homem e o animal que não fala.

Por que primitivo paraíso, na manhã longínqua da criação, teria passado o caminho em que os seus corações se encontraram?

Embora tenha ficado esquecido por muito tempo o seu parentesco, não se apagaram os traços da sua constante união.

E é de repente que, numa harmonia silenciosa, surge uma saudade confusa: e o animal olha com uma confiança enternecida o rosto do homem, e o homem baixa sobre o animal os olhos cheios de uma ternura risonha.

Parece que os dois amigos encontram-se mascarados e se reconhecem vagamente sob o seu disfarce.

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TAGORE, Rabindranath. O jardineiro. Tradução de Guilherme de Almeida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943. p. 119.