6 de março de 2014

Digo sim


Poderia dizer
que a vida é bela, e muito,
e que a revolução caminha com pés de flor
nos campos de meu país
com pés de borracha
nas grandes cidades brasileiras
           e que meu coração
é um sol de esperança entre pulmões
           e nuvens

Poderia dizer que meu povo
É uma festa só na voz
de Clara Nunes
                          no rodar
das cabrochas no carnaval
da Avenida.
                    Mas não. O poeta mente.

A vida nós a amassamos em sangue
          e samba
enquanto gira inteira a noite
sobre a pátria desigual. A vida
nós a fazemos nossa
alegre e triste, cantando
          em meio à fome
          e dizendo sim
­­­– em meio à violência e a solidão dizendo
          sim –
pelo espanto da beleza
pela flama de Tereza
          pelo meu filho perdido
neste vasto continente
          por Vianinha ferido
          pelo nosso irmão caído
pelo amor e o que ele nega
pelo que dá e que cega
          pelo que virá enfim,
          não digo que a vida é bela
          tampouco me nego a ela:
– digo sim

______
GULLAR, Ferreira. Digo sim. In: ______. Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.

Nenhum comentário: