Poderia dizer
que a vida é bela, e muito,
e que a revolução caminha com pés de flor
nos campos de meu país
com pés de borracha
nas grandes cidades brasileiras
e que
meu coração
é um sol de esperança entre pulmões
e
nuvens
Poderia dizer que meu povo
É uma festa só na voz
de Clara Nunes
no rodar
das cabrochas no carnaval
da Avenida.
Mas não. O poeta mente.
A vida nós a amassamos em sangue
e samba
enquanto gira inteira a noite
sobre a pátria desigual. A vida
nós a fazemos nossa
alegre e triste, cantando
em meio à
fome
e dizendo
sim
– em meio à violência e a solidão dizendo
sim –
pelo espanto da beleza
pela flama de Tereza
pelo meu filho
perdido
neste vasto continente
por Vianinha
ferido
pelo nosso
irmão caído
pelo amor e o que ele nega
pelo que dá e que cega
pelo que
virá enfim,
não digo que
a vida é bela
tampouco me
nego a ela:
– digo sim
______
GULLAR, Ferreira. Digo sim. In: ______. Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.
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GULLAR, Ferreira. Digo sim. In: ______. Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.
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