22 de março de 2012

Ateísmo

            É a doutrina que nega a existência de Deus como princípio de causalidade do mundo e de todas as coisas, mas é também - num sentido mais amplo - usado para identificar todos aqueles que não se interessam pela busca dessa causalidade ou que pensam muito diferente das religiões oficiais. Assim, a ideia do Deus sive Natura de Espinosa, por exemplo, foi acusada de ateísmo disfarçado, porque defendia uma lógica imanente (e não transcendente ou sobrenatural), preconizando a existência de um Deus que se confunde com a matéria do mundo, com o todo. Em Espinoza, tudo é Deus, tudo está em Deus. Deus é a única substância, sendo todas as coisas apenas "modos" dessa substância única, formas de expressão da substância Deus. Nesse caso, o panteísmo de Espinosa não nega a existência de Deus, seja como lógica do universo, seja como causalidade, mas o fato de colocar Deus como algo material (sendo a matéria considerada algo espúrio pela religião) faria dele um ateu, ainda que ele próprio não concordasse com isso. Até hoje se discute se o panteísmo é ateísmo ou não. Já no caso do Barão de Holbach, não há muito o que discutir, porque ele próprio se intitulava um ateu legítimo e convicto. Para Holbach, a ideia da existência de potências superiores e sobrenaturais nasceu, em tempos primitivos, do terror que a natureza inspirava nos homens, da incompreensão diante dos fenômenos naturais. Ele também não negava a existência de uma lógica da natureza (pelo contrário, ele é um fatalista assumido), o que ele nega é essa ideia antropomórfica da divindade criada para apaziguar (ou, antes, amedrontar) o espírito humano, pois o medo do castigo divino é uma forma de dominação social das mais eficazes. O romano Lucrécio, muito antes dele, já dizia que as crenças e as superstições nascem da ignorância das leis naturais, da incompreensão da natureza, e que essa é a forma de manter os homens fracos e covardes. Seja como for, seria possível propormos outra distinção: a de que todo pincípio de lógica ou de perenidade absoluta na natureza já é uma ideia de divindade (espiritual ou material) e, assim, os ateus seriam apenas aqueles que defendem um princípio de caos absoluto, anomia total, acaso perpétuo. É claro que um Deus material não faz sentido para os espiritualistas, que veem na matéria o princípio do mal e da degradação. Mas o problema está no preconceito que se tem com relação à matéria, que, vista sob outro ângulo, num nível mais primordial, é tão etérea quanto o espírito (ou a ideia que se tem dele). Independentemente de qualquer coisa, a verdade é que o ateísmo ficou marcado como sendo algo perigoso e pernicioso, como se os ateus fossem homens maus, demoníacos, mas, no fundo, como diz Holbach, o ateísmo ou qualquer tipo de reflexão que fuja à regra geral é raro, já que é sinônimo de uma liberdade de pensamento e de uma busca pessoal que só alguns são capazes de atingir. Holbach é um exemplo de virtude incontestável, tanto quanto Espinoza, Guyau ou Nietzsche, o que prova que a religiosidade não é, como dizia Holbach, garantia de nenhuma bondade, mas, sim, um espírito bem formado, uma razão que funcione de verdade.


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SCHÖPKE, Regina. Dicionário filosófico: conceitos fundamentais. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 38-9.

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