10 de agosto de 2009

Um ruído forte


      Houve um ruído forte, agudo, não longe da sua cabeça e Maigret se pôs a agitar, entre aborrecido e assustado, um dos braços fora dos lençóis. Ele tinha consciência de estar na cama, consciência também da presença da mulher que, mais acordada que ele, esperava na obscuridade sem nada ousar dizer.
      Durante alguns segundos, pelo menos, ele se enganou sobre a natureza desse ruído insistente, agressivo, imperioso. E era sempre no inverno, quando fazia muito frio, que se enganava desse modo.
      Parecia-lhe que era o despertador que tocava, embora desde o seu casamento não houvesse mais despertador na mesa de cabeceira. A coisa remontava a um tempo distante, à infância, quando ele era menino de coro e ajudava na missa das seis da manhã.
      No entanto, também ajudara na missa durante a primavera, o verão, o outono. Por que a lembrança que restou e lhe voltava automaticamente era uma lembrança de obscuridade, de frio, de dedos adormecidos, de calçados que, no caminho, faziam estalar uma película de gelo?
      Ele derrubou o copo, como acontecia com frequência, e a sra. Maigret acendeu a lâmpada de cabeceira no momento em que a mão dele atingia o telefone.
      "Maigret... Sim..."
      [...]


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SIMENON, Maigret. Maigret e o ladrão preguiçoso. [trad. Paulo Neves]. Porto Alegre: L&PM, 2009. p. 11-2.

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