29 de junho de 2016
Canção dos dias grandes
A tarde não termina
porque o dia se esquece
de correr a cortina
pra que ele próprio cesse
É dia é dia ainda
vamos brincar correr
depois será bem-vinda
a noite que vier
E um frio tão fino
tão pouco já, tão leve
joga com o menino
no crepúsculo breve
______
CRUZ, Gastão. Canção dos dias grandes. In: FERRAZ, Eucanaã (org). A lua no cinema e outros poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 19.
[quando eu tiver setenta anos]
quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta adolescência
vou largar da vida louca
e terminar minha livre-docência
vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito
vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito
então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência.
______
LEMINSKI, Paulo. Caprichos e relaxos. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 35.
Os amantes sem dinheiro
Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.
Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de ouro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.
Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.
______
ANDRADE, Eugénio de. Os amantes sem dinheiro. In: FERRAZ, Eucanaã (org). A lua no cinema e outros poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 61.
13 de junho de 2016
Cantiga para não morrer
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
______
GULLAR, Ferreira. Cantiga para não morrer. In: FERRAZ, Eucanaã. A lua no cinema e outros poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 64.
Dia de hoje
Ó dia de hoje, ó dia de horas claras
florindo nas ondas, cantando nas florestas,
no teu ar brilham transparentes festas
e o fantasma das maravilhas raras
visita, uma por uma, as tuas horas
em que há por vezes súbitas demoras
plenas como as pausas dum verso.
Ó dia de hoje, ó dia de horas leves
bailando na doçura
e na amargura
de serem perfeitas e de serem breves.
______
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Dia de hoje. In: FERRAZ, Eucanaã (org). A lua no cinema e outros poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 45.
florindo nas ondas, cantando nas florestas,
no teu ar brilham transparentes festas
e o fantasma das maravilhas raras
visita, uma por uma, as tuas horas
em que há por vezes súbitas demoras
plenas como as pausas dum verso.
Ó dia de hoje, ó dia de horas leves
bailando na doçura
e na amargura
de serem perfeitas e de serem breves.
______
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Dia de hoje. In: FERRAZ, Eucanaã (org). A lua no cinema e outros poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 45.
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