12 de março de 2009

Sentido


Se a vida é hoje frangalhos,
lhe colho os retalhos que,
mesmo descosidos,
perfazem tecido:
sentido
é raspar beleza
da aspereza do cotidiano:
pano por pano, não por inteira,
a vida é alegre de alguma maneira.



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BOSCO, Francisco. Atrás da porta. Rio de Janeiro: 7 Letras, 1997. p. 28.

3 de março de 2009

SARAMAGO, José. Deus e Ratzinger. In: Outros cadernos de Saramago. 09/10/2008. https://caderno.josesaramago.org/5597.html

Deus é o silêncio do universo e o homem o grito que dá sentido a esse silêncio.

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os irmãos Karamázov (vol. 1). Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Ed. 34, 2008. p. 187.

O pintor Kramskói tem um quadro magnífico chamado O contemplador. Representa um bosque no inverno e, numa trilha do bosque, um mujiquezinho embrenhado, metido num caftan esfarrapado e calçando lapti: está parado sozinho na mais profunda solidão, postado e como que mergulhado em meditação, só que não está pensando e sim “contemplando” algo. Se alguém o tocasse, ele estremeceria e o olharia como se tivesse despertado, mas sem compreender nada. É verdade que voltaria a si no mesmo instante, mas se alguém lhe perguntasse em que estava pensando ali postado, ele com certeza não se lembraria de nada, mas seguramente conservaria em si a impressão sob a qual se encontrava durante sua contemplação. Essas impressões lhe são caras e é provável que ele as venha acumulando, sem se dar conta e até sem tomar consciência – e também sem saber, é claro, por que e para quê. Súbito, depois de haver acumulado impressões durante muitos anos, pode largar tudo e ir para Jerusalém em peregrinação e tentando salvar a alma, como também pode, num átimo, atear fogo à aldeia natal e pode igualmente fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Há bastante contempladores no meio do povo.
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Lapti= Calçado de cascas de tília. (n. do t.)