O a privativo diz, aqui, o essencial: ser ateu é ser sem deus (á-theos), seja por não crer em nenhum deus, seja por afirmar a inexistência de todos.
Há portanto duas maneiras de ser ateu: não crer em Deus (ateísmo negativo) ou crer que Deus não existe (ateísmo positivo, ou mesmo militante). Ausência de uma crença ou crença numa ausência. Ausência de Deus ou negação de Deus.
O primeiro desses dois ateísmos é muito próximo do agnosticismo, de que só se distingue por uma opção mais afirmada, mesmo que negativa. O agnóstico não crê nem descrê: ele duvida, se interroga, hesita ou se recusa a escolher. Ele assinala a opção "sem opinião" da grande pesquisa metafísica ("Você crê em Deus?"). Já o ateu responde claramente não. Suas razões? Elas variam, é claro, de acordo com os indivíduos, mas convergem, no mais das vezes, na recusa de adorar. O ateu não tem uma ideia suficientemente elevada do mundo, da humanidade e de si mesmo para julgar verossímel que um Deus tenha podido criá-los. Horrores demais no mundo, mediocridade demais no homem. A matéria é uma causa mais plausível. O acaso, uma desculpa mais aceitável. E, depois, um Deus bom e onipotente (um Deus pai!) corresponde tão bem a nossos desejos mais fortes e mais infantis, que é o caso de se perguntar se ele não foi inventado por isso mesmo - para nos tranquilizar, para nos consolar, para nos fazer crer e obedecer. Deus, por definição, é o que se pode esperar de melhor. É o que o torna suspeito. O amor infinito, o amor onipotente, o amor mais forte que a morte e que tudo... É bom demais para ser verdade.
O ateu, em vez de acalentar ilusões, prefere enfrentar como pode a angústia, as aflições, o desespero, a solidão, a liberdade. Não é que renuncie a toda serenidade, a toda alegria, a toda esperança, a toda lei. Mas ele só leva em conta as que são humanas, e que valem unicamente para esta vida. Isso lhe basta? Não necessariamente, nem geralmente. O real só basta para quem se contenta com ele. É o que se chama sabedoria, que é a santidade dos ateus.
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COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário filosófico. [trad. Eduardo Brandão]. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 64.
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